Um Grito pelos Cortes na Alma.
Na semana passada, estive presente no Seminário da Rede Cegonha que aconteceu em Vitória da Conquista, e pude presenciar um momento emocionante que foi a roda de relatos de algumas puérperas do Grupo de Apoio Cirandeiras, no fim do evento. Pudemos, por um momento, entender a profundidade da ferida de mulheres/fêmeas que tiveram seus corpos cortados durante o momento mais sublime de suas vidas:
“Esta ferida ainda aberta, pois não foi só o meu corpo que cortaram, foi também a minha alma” (SIC).
Quando nos encontramos em momentos de ameaças, onde precisamos estar defensivos, ocorre uma limitação no nosso campo perceptivo da realidade e a fala, muitas vezes, é uma forma de elaborar e re-significar tais experiências. Precisamos partilhar as violências sofridas por sermos mulheres, por estarmos gestantes e por estarmos parindo.
Sabe aqueles relatos de mães sobre como foi um terrível sofrimento seu parto? Pois é, existe uma verdade dura por trás destes relatos: os profissionais envolvidos na assistência ao parto não estão preparados para lidar com as mulheres e, frequentemente, usam de práticas abusivas e violentas no trabalho de parto.
Muitos são os estudos que mostram quanto a adrenalina pode atrapalhar o momento do parto, e como certos procedimentos, além de desnecessários, podem acarretar em cicatrizes físicas e psicológicas profundas numa mulher.
De acordo com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a violência obstétrica caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres (definição dada pelas leis venezuelana e argentina, onde a violência obstétrica é tipificada).
De forma mais clara, qualquer verbalização constrangedora e ofensiva feita pela equipe durante a assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, assim como procedimentos invasivos (ex. episiotomia ou kristeller), sem a devida informação e permissão, pode ser considerado violência obstétrica.
Muitas vezes, a falta de informação nos deixa no papel de aceitação. Na sensação de nó na garganta, de abandono e de mudez, mas, aos poucos, vamos nos encontrando e fazendo valer uma voz que fala por muitas. Um grito coletivo que pede amor, respeito e atenção a este momento crucial para a humanidade, que é a recepção de um novo ser, assim como o nascimento de uma nova mulher.
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Doula Luciana Vieira
luvieiracontato@gmail.com